e-Popcorn

Um site pra te manter informado de tudo e um pouco mais no mundo da cultura pop!

Visitando Clássicos | Querelle

QUERELLE (1982) – FICHA TÉCNICA

Direção: Rainer Werner Fassbinder

Roteiro: Jean Genet, Rainer Werner Fassbinder, Burkhard Driest

Elenco: Brad Davis, Franco Nero, Jeanne Moreau

Sinopse: Um marinheiro é arrastado para uma jornada de rivalidade entre irmãos, assassinato e sexualidade.

Quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha?

O século XX não tinha nem começado, o ano era precisamente 1895, quando o escritor Adolfo Caminha lançou aquele que é conhecido como o primeiro romance com abordagem homossexual no Brasil: Bom Crioulo. Em suma, a história do livro retrata o amor entre Amaro, escravizado foragido que é aceito pela marinha e um grumete chamado Aleixo.

Cinquenta anos depois foi a vez de Jean Genet tomar como inspiração o universo militar, excepcionalmente viril e másculo como inspiração para construir uma história homoerótica chamada Querelle de Brest. O livro aborda a trajetória de Georges Querelle, um ladrão bissexual, michê e assassino em série na região de Brest, na França.

Ao traçar uma linha histórica entre uma obra e outra que contêm componentes muito próximos envolvendo a ambientação (militar) e a sexualidade (homo) podemos deduzir que a fantasia que envolve a relação entre esses dois mundos é algo mais antigo do que se possa imaginar, atravessando o tempo e os meios que essas histórias são contadas.

Tanto que em 1982 chegou a vez do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder abordar esse universo. O filme “Querelle” lançado três meses após sua morte é justamente sobre o romance de Jean Genet, e também o último de sua filmografia. Tendo a linguagem visual como recurso Fassbinder soube explorar de maneira muito singular os signos e tipificações  que constituem o imaginário sobre um ambiente militar, masculino e homossexual.

https://www.youtube.com/watch?v=ISyaCpQhq0Q

E como ficou isso?

O filme começa mostrando um pouco das relações sociais no porto de Brest, que partem da convivência entre os marinheiros, entre eles Georges Querelle, interpretado por Brad Davis. O Tenente Seblon (Franco Nero) que tem uma paixão escondida por Querrelle. Até o prostíbulo local, comandado por Lysiane (Jeanne Moreau), amante do irmão de Querelle, e seu companheiro Nono (Günter Kaufmann).

As escolhas de direção de arte tem papel fundamental em simbolizar o ambiente hiperssexualizado que os personagens tentam manter na clandestinidade, mas que acaba transparecendo em todo o seu redor.

O uso de tonalidades quentes, luzes em tons alaranjados, que de tão constantes nunca se sabe se o sol está nascendo ou se pondo, além da representação dos espaços cênicos com as calçadas e paredes de pedra, a imponente embarcação, os ornamentos fálicos que constituem desde as construções até a decoração do bar de Lysiane e Nono e desenhos em muros.

Tudo leva a rigidez, ao calor, ao suor. E por assim dizer o ambiente e a caracterização lúdica não só brinca como atiça a imaginação do espectador, combinado com o desejo interior reprimido ou pouco entendido e explorado que Querelle tem de si próprio.

Os figurinos, por exemplo, é composto por uniformes, e não só uniforme de marinheiros, mas por toda uniformização que o entendimento comum tem da dona de um bordel, do cara do bar, do policiais e assim por diante.

Aliás, a forma do corpo muito bem moldada por esses trajes desenham tão bem o físico dos personagens que acabam por se tornar uma segunda pele, mais expõe do que cobrem. Deixando também demarcado a posição social de cada um na trama.

Conta um tiquinho mais sobre a história?

Conto, sim! Durante o desenvolvimento da história Querelle, acaba fechando um acordo com Nono para lhe vender ópio e mais tarde acaba assassinando seu cúmplice Vic (Dieter Schidor) durante a execução do negócio.

Após a entrega da droga Querelle revela o desejo de dormir com Lysiane, mas para isso Nono propõe um jogo de dados, caso Querelle vença ele poderá ter Lysiane, caso contrário terá que ter se entregar a Nono, para fazer sexo anal como passivo. Querelle perde o jogo propositalmente.

Posteriormente, Gil (Hanno Pöschl), um construtor, acaba matando um colega de trabalho que vinha o assediando, Roger (Laurent Malet) conecta Querelle e Gil, contando que Querelle fosse ajudá-lo na fuga, Querelle se apaixona por Gil e é correspondido, mas o entrega para polícia e arma para que ele fosse também responsabilizado pelo Assassinato de Vic.

Nessas duas relações podemos ver dois desdobramentos conflitantes, o primeiro entre Querelle e Nono que se resume ao  prazer por prazer. E ao de Querelle com Gil, onde há sentimento, mas que para se livrar da culpa Querelle age de forma racional e o trai Gil em beneficio próprio.

Como canta Lysiane, em algumas cenas “Todo homem mata aquilo que ama.” Aliás, – Jeanne Morreau constrói uma personagem que parece sempre estar meio embriagada, meio melancólica, mas totalmente decadente.

A frase de Oscar Wilde cai muito bem na história já que para além da morte física de suas vítimas, Querelle destrói também o mais próximo que chegou de uma relação com afeto genuíno e romântico em nome de não pagar por seu crime.

E tudo isso quer dizer que…?

Muitos podem dizer que o desenvolvimento do filme é quebrado pelas divisão de capítulos e ou até que Fassbinder explora o tom satírico exageradamente, mas quando se trata de um trabalho com inspiração literária ou de homoerotismo no cinema essa obra pode ser tudo menos dispensável.

Tagged: , , ,

Leave comment

Your email address will not be published. Required fields are marked with *.